terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

as crianças


Meninas da vila de Uke, a 45 minutos de Abuja, para Norte.
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Se espero alguma coisa? Para além destas visões de Paraíso?
Passava por uma aldeia suja - como todas - e enternecia-me com as crianças. É verdade que elas têm uma alegria que as nossas não têm, enclausuradas como estão dentro das casas e dentro das televisões e dentro dos computadores.
Há uma liberdade, que eu sempre soube possível na minha vida, e que descobri que podia encontrar em África. Não há juízos de valor, não há olhares de esguelha ou desconfianças (e quando os há, não são sinceros, são coisa peganhenta da religião imposta, mas que logo esquecem ao cair de um sorriso ou de uma amabilidade). Há uma fé impossível e ingénua no ser humano. Um sentido de humor que quase se confunde com estupidez. Basta uma piada bem tirada, um sorriso sincero e um toque (uma coisa leve de dedos, uma cotovelada, um passarinhar de pé) para render o mais mafioso africano - decidido a lixar-te a vida ou a render alguns trocos de nairas de ti. Desmancha-se todo, ri, diz "my sister!" e quiçá não se oferece para te pagar uma bebida.
África é liberdade, ainda que essa liberdade seja, a maior parte das vezes, mal vivida, mal aproveitada (ou, vendo por olhos diferentes, muito bem aproveitada), e descambe em tudo o que a África tem de pior, como a corrupção, a violência, a fome, a exploração infantil, a sujidade, o tráfico humano, a pobreza...

2 comentários:

  1. Ah minha Fifi, hoje sinto-me como uma dessas crianças. - Resolvi não ir para o atelier escrever mais dez páginas para o próximo best-seller e andar por aqui, entre uma coisica e outra, a revisitar duas amigas e a reler o teu diário nigeriano. Um pouco de febre pôs-me de rastos. O tempo mudou. De repente faz frio e há pequenos vendavais em todas as esquinas.

    Essa máxima que escreves, "África é liberdade", faz-me pensar. E muito. Aliás, tu problematiza-la logo a seguir.

    E, escandalizada comigo própria, vejo-me a cogitar "se calhar, liberdade a mais". Mais escandalizada ainda quando penso que todas as "qualidades" que enumeras de seguida [ o que África tem de pior] também se encontram nos outros continentes, incluindo a "civilizada" Europa e a "vanguardista" América.

    Fico oscilando, como aquele fragmento de Safo - "não sei o que pensar".

    Desconcertadamente, tua
    Mámi

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  2. Agarraste a "natureza africana" que tanto me atrai! Que saudades dessa liberdade, dessa "fé impossível e ingénua no ser humana", dos sorrisos sinceros, dos toques carinhosos tão naturais nas nossas relações...
    Eu também fui assim!... Esta foi a maior riqueza que me "roubaram"...
    Tita

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