segunda-feira, 30 de março de 2009

the Blake

The Blake, Abuja.
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Um dos lugares nocturnos que mais frequento em Abuja é o Blake. É um pub-bar-restaurante-concert hall a espaço aberto e uma relíquia antropológica. É fantástico observar a forma como os nigerianos gostam de passar uma noite de sábado.

Se chegamos cedo, por volta das 21:30, assistimos a uma espécie de espectáculo de variedades, com homens de plástico a fazer contorcionismos impossíveis com os seus corpos magros, acrobacias com cadeiras e varões e tudo o que consigam colocar em equilíbrio pela cabeça e ombros e pernas e tudo ao mesmo tempo a rodopiar e já eles próprios a rodopiar sobre eles próprios – numa massa disforme que, ao contrário de me provocar espanto ou admiração, de certa forma me angustia. Talvez pelo desespero com que actuam, suados e artificiais, vagueando depois pelas mesas a mendigar umas nairas enquanto fazem caretas e rebolam a bunda em shows mais particulares.

É por isso que gosto de chegar tarde ao Blake, assim depois de um jantar tardio. Por volta das 23:30 é que começa a boa música. A banda é fantástica, bem como os dançarinos. O tipo de música é a tender para o afrobeat, assim uma espécie de free jazz africano, com muito trompete e vozes – que mais falam musicalmente do que cantam.

Aos sábados o Blake está sempre cheio. A multidão ouve música e canta e dança, ao mesmo tempo que come os grandes peixes vindos congelados desde Lagos até Abuja.

O peixe que habitualmente se come por aqui é uma espécie de grande Dourada a que chamam croaker e que não sei como se diz em português. Um pode ser suficiente para três pessoas; é servido grelhado na brasa, acompanhado de batata frita e um molho de cebola, tomate e malaguetas delicioso. Sempre picantérrimo, comemo-lo com a mão direita enquanto a esquerda se vai mantendo limpa para pegar no copo e facilitar os tragos na cerveja gelada. Outro peixe que também se encontra muito e de que não gosto é o cat-fish, o peixe-gato. Não é um peixe de mar, como o outro; comprido, de corpo muito maleável como o das enguias (mas mais gordo e menos comprido do que uma enguia), com grandes bigodes e um focinho que nos lembra máscaras de teatro tibetanas, este peixe é pescado nos lagos, nos viveiros que abundam em Abuja só para sua criação e nas barragens. É um peixe que gosta de lama e de porcaria - talvez por isso seja tão viscoso, com uma carne um pouco gelatinosa e uma pele grossa, com uma espessa camada de gordura por baixo. Para mim, é enjoativo e só o tolero na sopa.

A partir de certa altura, está tudo bêbado e em autêntico delírio. Levantam-se, vão até ao palco dançar com os artistas e atirar-lhes nairas à cara (literalmente, aqui é assim que se dá dinheiro aos músicos e dançarinos – em vez de pôr na cuequinha, atiram uma a uma as notas que querem oferecer ou colam-nas na testa suada do contemplado, enquanto o público vai gritando a cada nota de naira e de bateria), cantam, dançam de olhos fechados e braços estirados – como quem suplica aos Deuses.

É uma orgia de suor, de alegria, de bebedeira e de ritmo. Imperdível para quem visite um dia Abuja.



3 comentários:

  1. E nós aqui tão calmos e ocidentais...

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  2. Assim é que é: encontrar pontos de interesse para visitar Abuja! Belo apontamento etnográfico e piscicultural (tremenda a descrição do peixe-gato), com as nairas a serem coladas aos corpos suados e os peixes remexidos com a mão direita.
    Ver um grande peixe a sucumbir a várias mãos (depois de lhe agradecer a generosidade de ser meu alimento) não me incomoda muito: afinal comemos lagostas, sardinhas, camarões, jaquinzinhos à mão. Quanto ao very tipical local para viajante, não é por aí que Abuja me seduzirá, que esse lugar parece-me um inferno de seres ávidos, de ambiência orgíaca similar a tantos lugares "colectivos" do mundo. A bem dizer, o Hot Club até parece uma ermida em oração, comparado...ih ih
    Mámi

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  3. Tal como a Mámi, adorei a descrição e nada mais tenho a acrescentar a não ser que relembrei óptimos momentos passados em ambientes africanos. Foi muito bom!...
    Obrigada!
    Tita

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