segunda-feira, 16 de março de 2009

universidade de abuja



uma aula com um aluno de 2.º ano (o resto da turma chegou passada meia hora), universidade de Abuja, Abuja.
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Que sorte a minha! Estou no novo campus da Universidade de Abuja!
A leitora anterior teve o azar de dar aulas no velho sítio da Universidade, em Gwagwalada, onde não tinha condições nenhumas.
Eu estou neste, no novo, onde posso dar aulas ao relento, sob temperaturas torradorescas, vendo passar vacas e aves de várias cores, com uma maravilhosa paisagem em redor.
O edifício onde ensino - a chamada Faculdade de Artes - só tem três salas de aula. Os professores a elas se atiram como gatos vadios às espinhas e claro que ganham os veteranos - como o velho e respeitável Professor de Filosofia ou a pachorrenta e repetitiva Professora de História. Os restos ficam para os Leitores de Línguas Estrangeiras - essas espécies raras e ainda mal vistas, ou mal compreendidas, pelos restantes colegas do professorado.
Então, temos que chamar pelos nossos alunos e pedir que nos ajudem a carregar com um quadro para fora do edifício, de preferência à sombra - para não resultarmos em peças carbonizadas quais vítimas pompeanas do Vesúvio -, pedir que arrastem umas quantas cadeiras, tijolos e outros artefactos onde se sentem - e a aula começa. Sempre com sentido de humor, e enquanto não chegamos às 11.30, meio-dia, tudo decorre calmamente e, não fosse uma vaca que passa ou um banco que subitamente se desconcerta levando ao chão um aluno, nem dávamos por conta da situação precária de ensino em que nos encontramos. Mas a partir das 11.30, 40 graus, a sombra enfraquecendo - e nós todos em vale de suor gritando "Chamo-me Lazarus! Chamo-me Gift! Chamo-me Kofo! Como é que te chamas? Ela chama-se Mary Jane! Ele chama-se Jude!"...

7 comentários:

  1. Minha Fifi,
    que os xamãs (ou afins) nigerianos ( para quando um apontamento sobre as religiões primevas ? ) agradeçam por mim, nos seus transes, aos deuses da Nigéria, pelo teu sangue frio debaixo da torreira, temperado por tão óptimo humor perante tal notável diversidade!
    Estás maravilhosa, qual Atena, a quem se perdoa a falta do elmo devido à canícula!
    Chamo-me
    Mámiiiiiii!!!
    :))))))))))))

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  2. Ai que já estou a ver as vacas a ostentar um canudo...
    como pode o aluno não ter um ar tão atento quando tu ostentas essa pose tão de trinado fadista...ou de "senhoras e senhores, na minha e na vossa presença", o extraórdinario poeta Camões de um só olho...mais Gil Vicente das pernas tortas...

    Para o caso de ser preciso, aqui tens

    Lizzie, a carpinteira, uma criada ao teu dispôr.

    (não carrego é quadros que ando mal das costas)

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  3. Ó afilhada minha, que desta ocidental praia lusitana foste a mostrar a lusa pátria muito para além da Taprobana! Sanu!
    Que bela prosa e que poder evocativo! E que bonita ficas à frente de um quadro estragado!
    Tenho seguido as tuas fotos, sempre a correr, nos intervalos diários das tarefas trabalhosas e sempre evitando ser apanhada pelo patrão nestas lides íntimas de comentário familiar. Por isso não tenho deixado palavras. Mas tenho pensado sempre, quando foi dos tecidos e da máquina de costura, da escola-prisão e dos cabelos demanchados, que bem que a Sarita continua a apontar no seu caderninho de viagens!
    Esta tua universidade faz-me lembrar um livro que li quando era criança, sobre uma menina usada como criadita numa escola, cujo sótão miserável habitava, e que fingia que os trapos eram belos tecidos e os cacos porcelana fina e se permitia requintados rituais quotidianos, que lhe permitiam fingir que era uma princesa.
    Assim são esses teus alunos e tu no meio deles, nessa sala de aulas.
    Que sorte a tua não te terem cabido as "condições nenhumas" da anterior leitora! Dava aula onde? Dentro da cerca das galinhas usando o chão como quadro?
    E o que aprendem esses alunos, com essas "condições algumas", que lhes permita enfrentar o mundo de igual para igual?
    Beijos, Sarita.

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  4. ...epá, caramba...há quem chame e teime em chama "cultural" "enrgaçado" "exótico" "étnico" até, etc e tal ao q n passa de...desigualdade social, p n dizer outras coisas e n sair daqui. bom ler-te e ver que temos uma visao e linha d pensamento similar. parabens a ti e aos teus persistentes alunos.
    J. Abril

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  5. Tu pelo menos és útil: estás a ajudar quem quer aprender, evoluir,...
    Eu, com todas as condições e mais alguma, sou LIXO, sinto-me uma inútil...
    Tita

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  6. Que sorrisos maravilhosos! O teu sorriso é contagiante mas o do teu aluno... enche a alma!...
    Tita

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  7. Querida madrinha, estes alunos não aprendem grande coisa, não - se permanecerem concentrados na universidade e no que ela lhes oferece (maus professores, maus manuais, más salas de aulas, mau alojamento, más perspectivas de vida). Mas há aqueles alunos que tu notas logo que têm uma curiosidade e uma perspicácia que os distingue da maioria. Esses são os que lêem por si, investigam, estudam para além do que lhes exige a escola, e que, espero, emigrarão logo que possam para aceder a um ensino ao seu nível. É triste, mas é mesmo assim.

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