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Há duas semanas fui a Kano com a Mónica e a Pauline, passar o fim-de-semana.
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Kano é um emirado, a 350 km de Abuja, para norte, e das cidades mais ricas historicamente de toda a Nigéria. Teve um longo reinado de poderio Hausa, que remonta ao século I d.C., terminado com a invasão dos Fulani, durante a jihad fulani, no início do século XIX e através da qual todo o norte da Nigéria foi profundamente islamizado. Desde esta conquista, o emir de Kano é tradicionalmente um Fulani. Os Fulani são o maior grupo nómada do mundo e encontram-se principalmente na África Ocidental. Descendem de nómadas da África do Norte e foram os primeiros em África a ser islamizados pelos árabes. Vivem essencialmente do pastoreio e do comércio. Devido à fusão de ambas os grupos - Hausa e Fulani - diz-se que a etnia maioritária no norte da Nigéria é a etnia Hausa-Fulani.
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Como se vai para Kano? – podem vocês perguntar-me.
Bom, para ir para Kano temos, em primeiro lugar, de apagar a nossa anterior concepção de como se vai habitualmente para algum lugar um pouco distante, portanto, esquecer a ideia de “camioneta” e de tudo o que a esta se refira, como “estação de camionetas”, “horário” e “motorista”.
Creio que depois deste exercício, que convém praticar durante mais ou menos uma semana antes da partida, estaremos preparados para apanhar um transporte público para onde quer que seja na Nigéria.
Chegámos ao Jabi Motor Park de Abuja às 12:30, para apanhar o nosso transporte para Kano. Esta estação é um enlameado parque cheio de carros enferrujados, de tal forma que no início pensei que o taxista se tinha desorientado no caminho e tinha parado naquele ferro-velho para pedir direcções. Mas afinal o ferro-velho era o terminal de camionetas onde pretendíamos chegar, sim senhor.
Depois de pagarmos ao taxista, perguntámos-lhe se ele sabia de onde partia a camioneta para Kano. Ele arregalou os olhos e exclamou: “the bus to Kano?”. Saiu do táxi e disparou esta pergunta bastante pertinente, em alta voz, para o espaço circundante: “Who’s going to Kano here?”.
Olhámos umas para as outras.
Logo 6 ou 8 braços se estenderam até nós e nós escolhemos os 2 braços mais simpáticos e fomos atrás deles. Os dois braços pertenciam a um funcionário da estação de camionetas. Aqui, os bilheteiros não estão enfiados num guiché, com cara de enjoados, pálidos e pronunciando frases repetitivas e monocórdicas para os chatos dos passageiros – Não! Aqui os bilheteiros fazem marcha rápida pela terra batida do parque, procuram os passageiros, gritam por eles, correm para eles, guiam-nos por entre a azáfama de viaturas, escolhem-lhes o melhor transporte. É a eles que pagamos o bilhete da viagem, sem recebermos nenhum bilhete em troca. Poupa-se papel!
Ele lá descobriu um belo carrinho para nós, um carrinho normal, de 5 lugares. E lá estávamos: o motorista (um rapaz de 19 anos que não falava inglês, apenas hausa) e nós 3 aconchegadinhas no banco de trás, já pensando que se tivéssemos casado com o Emir de Bwari iríamos, com toda a certeza, num transporte mais digno e confortável para Kano…
Ficámos uns 5 minutos em silêncio e finalmente eu e a Mónica, que estudamos hausa, juntando esforços, perguntámos num hausa deficiente “Yaushe muna tafi Kano??” (“Quando é que vamos para Kano??”) ao que o motorista respondeu algo misterioso e incompreensível para nós, nesta língua tonal que às vezes lembra o chinês.
Olhámos umas para as outras.
Fomos perguntar ao bilheteiro o que se passava, que estávamos dentro da “camioneta” e ela não arrancava. E o bilheteiro explicou-nos que só partíamos quando se encontrasse um quarto passageiro, já que seria um desperdício partir com um lugar assim vago. E que tal se poderia solucionar se nós pagássemos por aquele lugar fantasma.
Resolvemos esperar um pouco pelo quarto passageiro, olhando de dentro do carro cada potencial passageiro com olhos ansiosos, como os de quem espera o Messias.
Finalmente o Messias chegou, e era um simpático homem hausa, advogado, e com quem acabaríamos por jantar em Kano, que animou imenso a nossa viagem com a sua afectada pronúncia british (que usava propositadamente para nos fazer rir) e com quem eu e a Mónica praticámos, felicíssimas, o nosso hausa pequenino.
As três princesas com o quarto passageiro.
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Como aqui praticamente não se tira a carta de condução, basta pagar por ela, os condutores são, no geral, bastante inconscientes, totalmente desregrados e competitivos. Cada condutor pensa apenas em si mesmo, quer sempre ir à frente dos outros, chegar primeiro onde quer que seja, não interessa por que meios, e não consegue compreender que com um pouco mais de paciência e de ordem todos acabam por ir mais depressa. Mas devo admitir que grande parte dos condutores adoptou um método invencível de chegar mais depressa que todos os outros ao seu destino. Têm um acidente daqueles bem feios e chegam num instantinho ao destino que é o de todos nós: a morte.
É impressionante a quantidade de gente que morre neste país devido a acidentes de viação, a maior parte das vezes totalmente evitáveis e causados por inconsciência e estupidez.
Arrancámos, lá íamos, o quarto passageiro falava ao telefone, a Mónica comia uma bolacha, a Pauline comia um folhado de galinha, eu bebia água e o motorista acho que conduzia, quando repentinamente um carro em processo de ultrapassagem guinou para a nossa frente e nós travámos, todos - todos a pedalar o chão do carro. Estávamos a salvo: depois de uns palavrões e algumas exclamações, continuámos.
Mas nós olhámos, ainda mais uma vez, umas para as outras.
continua…